Sonhos para o futuro

07/05/2009

Avizinhava-se o dia Mundial de Criança, e eu pedi ao Sr. Bruzaca, Coordenador da Escola Básica de Água Isé, que me enviassem 20 redacções, escritas pelas crianças.

Entre sonhos do que eles querem ser, quando forem grandes e contos populares, seleccionei algumas. As crianças de vários países têm sonhos muito parecidos. Acabar os estudos, ter uma profissão (sendo a de professor e médico a mais escolhida), ser feliz, ter uma família e querer ajudar o seu país a progredir. Devo dizer que fiquei muito emocionada quando as li.

Vou fazer das palavras de algumas crianças as minhas e deixar aqui transcrita uma das cartas. Escolhi esta redacção, por me parecer tão altruísta. Como esta existem tantas outras.


14 De Maio de 2009

6º Classe B-2

Nº31

Eu, para o futuro quero ser uma médica, e para isso terei: que estudar muito e empenhar-me nos estudo. Quero ser médica missionária para ajudar os outros e principalmente os países pobres.

Para isso desde já respeito os meus colegas, professores, serventes e todos que estão à minha volta.

Gostaria que o meu sonho se realiza-se, por isso vou esforçar-me para concluir o décimo primeiro ano, e depois inscrever-me no curso de medicina. Isto porque quero ajudar o meu país no seu desenvolvimento.

Sandra Semedo dos Reis

UM SER ESPECIAL

12/03/2009

O que mais me seduz no ser humano é a bondade. Todas as outras coisas são bem feitas se partirem desse valor.

Em quanto fazia tempo para apanhar o avião, resolvi passar numa superfície comercial e visitar o meu local favorito, a onde a leitura se mistura com o cheiro a café.

Aproveitei para comprar o livro “Felizmente Há Luar” de Luís Sttau Monteiro. Enquanto passava os olhos por esta obra, ia ajudando a milha filha mais nova a fazer os deveres da escola.

Como qualquer sítio público, ás vezes é impossível não reparar ou não ouvir as pessoas, que estão sentadas a poucos metros de nós.

Enquanto eu continuava mergulhada no livro a pequenita entretinha-se com um balão, que atraía certos olhares. Alguém ao meu lado lhe dirigiu palavra.

-Olá, minha querida, queres brincar comigo? - A minha filha não respondeu, baixou a cabeça e olhou para mim.

-Brinca comigo. Eu só tenho oito anos, e tu? Como te chamas? - A pequenita respondeu-lhe ao mesmo tempo que atirava o balão. Ficaram as duas a brincar durante uns minutos.

-Eu sou pequenina como tu e gosto de brincar. - Olhou para mim e em tom de desculpa, diz-me: - Não ligue sou muito brincalhona. - Ao qual eu respondi: - Faz muito bem em ser assim, ás vezes damos valor ao que é importante, tarde na nossa vida. Brincar faz parte de crescer interiormente.

Esta senhora tinha oitenta anos, cabelos cuidadosamente pintados de um tom castanho claro, olhar de menina travessa, estava acompanhada com um dos seus filhos. Apresentou-se dizendo-me que vive em Lisboa há muitos anos mas é da Madeira. Contou-me orgulhosamente e com ar despachado, que é conhecida em todo o bairro no qual criou os seus filhos.

Levantou-se, devolveu o balão á minha filha, inclinando-se deu-me um beijo na testa e em tom de brincadeira mas com firmeza nas palavras, virou-se para a minha filha e disse-lhe: - Cuida bem da tua mãe, dá-lhe papinha e carinho quando for preciso, ela é uma pessoa especial. - Eu balbuciei um obrigada que mal se ouviu.

Naquele momento de partida para longe da família estas palavras foram de aconchego. Gostei do trocadilho. Cada um de nós interpreta as palavras á sua maneira.

Pareceu-me uma bênção. Eu é que tinha acabado de conhecer um ser muito especial.

Não acreditando em credos ou doutrinas feitas pelo Homem, creio que Deus está presente nestes pequenos actos.

Mais tarde na Fundação da Criança, uma das histórias que contei foi um conto popular sobre a terceira idade na Europa. "Filho és, pai serás".

SEDUZIR COM DOCES AMARGOS!

Fim de semana 14/03/2009

Fui a Neves e á praia do Governador, com a Olga e a Tâmara. Conheci-as em São Tomé, estavam hospedadas no mesmo hotel que eu, mãe e filha vieram uma semana antes de mim.

Elas alugaram um jipe por um dia, a Tâmara comprou dois sacos de doces para as crianças e a convite delas fui visitar alguns sítios afastados da cidade.

As praias são muito bonitas, toda a ilha é muito abençoada pela natureza abundante de vegetação, em qualquer sítio que vá encontra-se fruta-pão caída no chão. Pequenos riachos e rios atravessam a ilha.

Aqui não se morre á fome mas há desnutrição. Quando paramos as crianças correm para receber os rebuçados, algumas fogem. "É tão fácil tirar um doce a uma criança".

Na praia do Governador, um dos sítios mais sossegados e paradisíacos que já vi, apareceu uma mãe, levava á cabeça um mólho de lenha e duas crianças pequenas caminhavam ao seu lado, mantiveram-se longe de nós na sua procura de “combustível”. A Olga dirigiu-se a elas com alguns rebuçados na mão, estas estavam um pouco afastadas da mãe, recuaram desconfiadas e fizeram sinal para que ela atira-se os rebuçados ao chão. A Olga insistiu e foi ao pé delas que se afastaram olhando para a mãe, conseguiu entregar-lhos sempre com relutância da parte das duas meninas. Os estranhos não lhes expiram confiança, nem mesmo com esta pequena sedução, que pode ter sabor amargo.

BEM VINDA!

Dia 13 de Março de 2009, visita

A minha viagem e contacto com o povo de São Tomé.

Mal saí do avião bateu-me no rosto um ar quente e abafado, o odor que pairava no ar era-me familiar, ao longe avistava-se a savana. Vieram-me á memória tantas coisas boas passadas nas terras africanas, as brincadeiras ao fim do jantar antes de anoitecer, os mais velhos sentados na entradas das portas ou nos alpendres a observar-nos distraidamente ao mesmo tempo que conversavam e bebericavam sumos de fruta fresca ou café, ao longe ouvia-se música, havia sempre alguma casa em festa ou um baile por perto. Os piqueniques de ano novo na praia, a cor da terra e os seus cheiros são o que mais me marcou na infância.

Fiquei emocionada e mal tinha descido os três primeiros degraus. A nossa memória faz-nos partidas.

Na saída do aeroporto há crianças a vender ramos de flores tropicais lindas e coloridas, cores como o salmão, laranja e rosa avermelhado saltam á vista dos turistas acabados de chegar. Próximo destes estão os meninos que vendem colares feitos de sementes secas, búzios, conchinhas e madeira. São meninos que acordam muito cedo para estar no aeroporto ás 5:30h, vêm de longe a pé, muitos deles andam descalços.

Não nos podemos distrair a falar com eles, caso contrário cercam-nos de tal modo que mal nos conseguimos mexer ou respirar.

No meio deste magote, um menino chamou-me á atenção, chegou-se ao pé de mim e apresentou-se, -Oi dona eu sou o Zé Zé, vou oferecer-lhe este colar para não se esquecer de mim, eu sou seu amigo, não se esqueça! - Ao mesmo tempo que falava estendia os braços e mostravam os colares que vendia. Olhei para ele, tinha uma cicatriz no lábio superior, e os seus olhos eram meigos e tristes, tinha o rosto marcado de quem já passou por experiências menos boas. Era persistente não se deixava intimidar pelo olhar de desinteresse e cansaço de quem dormiu pouco na viagem. Não tinha mais que dez anos, o seu corpo era franzino mas rijo.

Soube mais tarde que ele era o único sustento de uma família de sete irmãos e os pais trabalhavam nas roças no cultivo de legumes. Ele próprio fazia os colares muito imaginativos com matérias naturais. Comprei-lhe um colar e fiquei com outro na promessa de lhe comprar mais alguns no meu regresso a Portugal.

As outras crianças perguntaram-me se tinha doces, eu não sabia deste pequeno hábito de se pedir guloseimas aos estrangeiros, mas tinha uma barrita de cereais que guardei do pequeno almoço oferecido na viagem, abri o saco para procurá-la, mal peguei nela desapareceu-me das mãos, um pequenito agarrou-a muito rapidamente. Fez-me rir, os outros agarraram-me os braços, mas eu não tinha mais nada. Ficaram tristes. Fica para a próxima! Disse-lhes eu, e o transporte para o hotel partiu, rumo à cidade.

Pela minha visita à cidade pude observar vários meninos que á sexta-feira faltam ás aulas para vender, peixe, linhas de costura, frutos e outras coisas para ajudar os pais a ter uma melhor refeição ao fim-de-semana.

São meninos muito carentes que querem atenção e conversam connosco quando paramos. O número extenso de filhos por casal e a bigamia por parte dos homens faz com que estes meninos sejam menosprezados e trabalhem em tão tenra idade. Este apoio infantil não é muito diferente do Portugal rural das décadas anteriores aos anos 70.

Na ilha de São Tomé tudo funciona lentamente. Leve! Leve! que é como quem diz, calma, calma, é o lema de toda a ilha. Vivem o dia a dia sem muitas preocupações, “carpe diem” epicurista de Ricardo Reis é levado muito a sério por estas paragens.

Dos vários países que tive oportunidade de conhecer, este é o povo mais acolhedor, educado, simpático, bondoso e humilde que vi. Toda a África tem este modo caloroso de ser.

A beleza natural da ilha paradisíaca e a simpatia do povo contraria a pobreza. Fui muito bem recebida.

Durante a semana e principalmente aos sábados vê-se os rios coloridos, as mulheres lavam a roupa e põem-na a corar nas pedras escuras do rio, as crianças brincam na água junto às mães. Fez-me lembrar a minha infância na Beira alta, quando no fim da primavera, as mantas eram arrecadadas mas lavadas primeiro na ribeira e secadas nos ramos dos arbustos. A minha avó acordava muito cedo, preparava uma merenda e almoço levavando-me com ela para a ribeira da Ponte-pedrinha,. Iamos devagar pela mata com cheiro a pinho fresco e a mimosas, floridas que tinham sido acordadas pelos primeiros raio de sol, estes perfumes da natureza misturavam-se com o da merenda que a minha avó paterna levava numa sesta de vime, ouvia o chilrear dos passarinhos que levantavam vou-o à nossa passagem. Atravessávamos a aldeia de Passarela, terra natal do meu pai , para irmos ter com a dona Cristina que era quem lavava a roupa da minha avó, que no dia anterior já tinha providenciado o necessário para começar cedo a sua tarefa. Quando chegávamos lá estava ela de joelhos numa almofada junto á ribeira a esfregar a roupa, eu brincava nos sítios onde a ribeira era menos profunda, a água ao passar fazia espuma branca ao bater nas pedras e as rãs verdes e minúsculas que, nestas secavam ao sol fugiam de mim.

Estas crianças a brincarem despertaram-me uma saudade dos tempos de menina.

Percorri a ilha durante a minha estadia para conhecer a cultura deste povo bondoso e acolhedor.



INVAZÃO DE PRIVACIDADE



Domingo 15/03/2009

Descanso abençoado, nesta terra maravilhosa! Acorda-se cedo e de modo agradável, quer isto dizer, não ficamos a preguiçar a pensar que bom seria ficar aqui enrolado. A vista para a praia é divina e convidativa, não há tempo a perder.

Os sumos de fruta natural são deleite dos deuses o café sabe e cheira muito bem.

Fui para cima das rochas perto da praia que circula a piscina, estas fazem uma divisão: entre a criação de Deus e as obras do homem. As últimas quando feitas com “grandiosidade” também se tornam belas.

Ao caminhar nas rochas senti-me uma tola, sabia que poderia escorregar, a maré tinha baixado e havia limos. Pensei que se atravessa-se aquelas rochas pequenas chegaria até ao mar e aí nadaria mais á vontade do que na piscina. Tenho a mania de ás vezes andar a vaguear por caminhos menos seguros só por curiosidade. Quando estava a chegar á água do mar, zás, pisei um ouriço, desequilibrei-me e voltei a pisar outros dois. Pelo menos não caí, só faltavam as minhas colegas dizerem o que os pais costumam dizer quando nos aleijamos. Os comentários parecem os menos apropriados na hora. - Bem-feito, eu avisei-te! E outros que agora não me quero recordar. Dá mais vontade de gritar com eles do que ao sentir as dores. As atitudes falam mais do que as palavras e ao não se dizer nada por vezes diz-se tudo.

Lá consegui chegar á berma piscina e atravessei-a a nado até uma espreguiçadeira.

O Rapaz que fazia a manutenção das águas ajudou-me com uma mezinha muito quente de óleo de palma e limão para ajudar a tirar os picos. Devo dizer que estive mais do que duas horas curvada a tirar picos, e a esburacar o pé com uma agulha.

Na altura fiquei muito zangada pois precisava de andar para ir ás visitas e comecei a pensar: “com pé inchado ou não, vou na mesma visitar os sítios que me tinha proposto”.

Foi nessa tarde que conheci a Directora da fundação da criança.

Não houve apresentação. Talvez eu tivesse com cara de poucos amigos. Acabámos por sair todas juntas para almoçar e conhecermo-nos melhor.

O meu pé inchou e custava a pô-lo no chão, ainda tinha três picos que não consegui retirar. Acabei por ir ao hospital da cidade com uma médica que trabalhava em Angola e estava ali de férias.

Bem os ouriços foram pouco receptivos, também não fui convidada a entrar nas suas moradas! Só queria nadar num sítio mais natural. Arre! Ouriços!

Restaurante local

Restaurante local
Paulina e eu

Visita a escola de Água Isé

Dia 17/03/2009 -

17/ 03/2009

Na minha segunda visita á escola de Água Isé, numa das turmas da primária, quando perguntei se eles sabiam o que queriam ser quando fossem maiores, um menino pôs o braço no ar, e respondeu-me, "- Homem com futuro". Sorri ao ouvi-lo. Veio-me à ideia a palavra esperança. As crianças estão à espera que alguém os oriente e apoie, acreditam em mim quando digo que volto para ajudá-los. Não estamos cá de passagem só para deixar descendência, para isso não tínhamos evoluído, não existiriam as novas tecnologias e avanços em todas as áreas da ciência. Tenho consciência que podemos fazer muito pela humanidade. O desequilíbrio social é grande. Se eu tivesse ficado em casa no meu conforto a fazer a minha pesquisa, não teria o mesmo impacto, nem conhecimento. È no contacto com o povo que se conhece a sua cultura.

A arrogância que encontrei cá foi a do meu povo, que continua a fazer os mesmos erros, julgando-se superior pela cor ou por por motivos que são inferiores ao subsolo que nos há-de receber um dia. O preconceito é visível pelo modo de se tratar e falar com as pessoas nativas da ilha. Fiquei envergonhada, mas não posso pedir desculpa pelos outros. Não quero com isso generalizar mas repetem-se os mesmos erros não se aprende com o passado. Caminha-se ainda devagar para se deixar maus hábitos. Continua a haver exploração do maior pelo mais pequeno. Já se passaram quinhentos anos depois da morte do Padre António Vieira, e o seu sermão aplica-se perfeitamente, principalmente nesta ilha que a diferença se faz notar. Os que vão para lá é para explorar, poucos são para ajudar, mas fazem a diferença. A falta de formação é visível em muitos estrangeiros que chegam lá, a cor da pele não lhes dá o direito de se acharem superiores nem a educação que não tiveram na infância, os valores que têm mostram-se às vezes baixos.

Quando o Sr.bispo Dom Manuel António Santos, me disse que temos que nos despir de preconceitos para vir para África, entendi,

que trazemos ideias pré concebidas por más informações que nos dão. Ao chegarmos a África ficamos encantados não é como algumas pessoas pensam.

Quando decidi ir, a única coisa que realmente me preocupou foi a malária mas se tomarmos precauções corre tudo bem.

No entanto a maldade que o ser humano exerce no próximo é superior a qualquer mosquito.

Tenho a certeza que o meu futuro é naquelas paragens, onde somos úteis e nos valorizam pelo impacto positivo que temos nesta gente bondosa, que não se despede de nós e nos diz até logo, por saber que voltamos.


quinta-feira, 9 de abril de 2009

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A minha viagem a São tomé
A minha visita à escola de Água Isé
Filme da hora do conto na fundação da criança